Há
décadas a Psicologia tenta se afirmar como uma ciência “igual às outras”.
Psicólogos, sobretudo nos EUA, dedicam a maior parte de suas carreiras a
executar experimentos em laboratórios que obedeçam aos parâmetros da ciência,
ou seja, tratam de fatos, fenômenos mensuráveis, quantificáveis, e que podem
ser replicados por outros cientistas em iguais condições. Herança do fundador
moderno dessa forma de apreensão da realidade: René Descartes.
Os
fenômenos humanos são de tal complexidade, de tal diversidade, que esta
metodologia científica clássica nunca dará conta de apreendê-los tal como são. Mas
a Psicologia acadêmica – na sua necessidade de obter financiamento para seus
trabalhos, portanto para garantir empregos, sustentar os departamentos
universitários – continua produzindo trabalhos que fragmentam, portanto
distorcem, a realidade do ser humano.
Outro
aspecto importante da permanência da Psicologia no paradigma cartesiano é a sua
procura pela “respeitabilidade” oferecida pela ciência. Se a Psicologia não
pertence à área privilegiada da ciência, os profissionais que a ela se dedicam
são de “segunda classe”, seus rendimentos financeiros pequenos, seu lugar na sociedade
é precário.
Mas
há uma vertente na Psicologia, na qual me incluo, que fundamenta sua prática
nas noções desenvolvidas pela Fenomenologia, questionadora da hegemonia
cartesiana. A Fenomenologia rompe com a dicotomia sujeito-objeto,
consciência-corpo, indivíduo-mundo. Rompe com a pretensão de pura objetividade
e, portanto, com seus critérios de verdade. Todo conhecimento advém de seres
humanos que se inserem em um mundo (físico, social, cultural, biológico) do
qual qualquer separação é artificial, construída/teórica. Penso que o filósofo francês
Merleau-Ponty foi quem melhor nos mostrou, poeticamente, a verdade da visão
fenomenológica, fundamento do trabalho mais fértil, tanto da Psicologia quanto
da Medicina e suas áreas afins:
“Retornar
às coisas mesmas é retornar a este mundo antes do conhecimento cujo
conhecimento
fala sempre, e com respeito ao qual toda
determinação científica é abstrata, representativa e dependente, como a
geografia com relação à paisagem onde aprendemos primeiramente o que é uma
floresta, um campo, um rio.”
(Fenomenologia da Percepção,
p.7)
O
que tudo isso nos revela?
· - A
importância da valorização da Psicologia como ciência cujo paradigma não é o
mesmo daquela inaugurada por Galileu e Descartes.
· - A
consideração de que toda a realidade humana deve ser conhecida e investigada
por meio de disciplinas múltiplas e integradas.
· - A
consideração de que o sujeito da investigação, teórica ou clínica, está
implicado nela. As emoções, os valores, os eventos da história pessoal do cientista
psicólogo ou médico estão presentes em cada ato e momento de seu trabalho.
· - A
afirmação de que o sujeito humano não é um ser fragmentado em psique e soma,
sujeito e mundo e, portanto, conhecê-lo e atuar nele e no mundo implica na
adoção de princípios e métodos que respeitem estes entrelaçamentos.
Amaryllis Schvinger
Doutora em psicologia
Psicoterapeuta
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